terça-feira, 13 de novembro de 2012

EDUCAÇÃO DE SURDOS: ESCOLA INCLUSIVA OU ESCOLA BILÍNGUE


EDUCAÇÃO DE SURDOS: ESCOLA INCLUSIVA OU ESCOLA BILÍNGUE?

Joeline Lopes Gonsalves Torres1

Resumo


O presente artigo traz uma reflexão sobre duas propostas distintas de ensino no contexto da educação de surdos: a escola inclusiva, que a partir do paradigma da educação para todos defende o respeito e a valorização da diversidade e a escola bilíngue, que a partir da Libras (Língua Brasileira de Sinais), entendida como língua de instrução, defende o respeito e a valorização pela diferença linguística. Para a realização deste trabalho, a opção metodológica foi por uma pesquisa bibliográfica e, mediante aprofundamento teórico, discorremos sobre o papel do intérprete e tradutor de Libras, do professor regente, do instrutor de Libras e do professor de Língua Portuguesa como segunda língua, vislumbrando as contribuições de cada um ao processo educacional do aluno surdo. Nossos apontamentos objetivaram mostrar as diferenças entre as duas propostas de ensino, bem como seus limites e potencialidades, oportunizando uma discussão sobre a qualidade da educação para as pessoas com surdez.

Palavras - chave: Escola inclusiva. Escola Bilíngue. Educação de Surdos.

Introdução

Este estudo2 pretende refletir sobre a educação de surdos3 a partir de duas propostas distintas de ensino: a da escola inclusiva e a da escola bilíngue, na tentativa de demonstrar as diferenças, limites e possibilidades de cada uma visando contribuir com as discussões no campo da Educação Especial.
A perspectiva inclusiva tem sido a proposta mais intensamente defendida pelo Ministério da Educação (MEC) para todos os alunos, inclusive aqueles que apresentam alguma necessidade educacional especial.
Porém, no caso da surdez algumas particularidades devem ser consideradas, já que esse aluno se utiliza de uma outra língua para se comunicar, a Língua Brasileira de Sinais (Libras)4, e nem sempre essa língua tem tido um espaço privilegiado no ensino regular. Assim, tem se debatido no país, principalmente a partir de 2002, quando a Língua Brasileira de Sinais foi oficializada, sobre a escola bilíngue, por ser uma proposta que privilegia a Libras como língua de instrução.
Consideramos essa discussão pertinente no momento atual, pois na busca por uma escola de qualidade para todos os alunos não se pode ignorar as particularidades de cada um e, no caso do aluno surdo, a especificidade linguística. Assim, essas duas perspectivas de ensino serão exploradas e debatidas no decorrer deste artigo.
É importante ressaltar que partimos do princípio de que cada aluno possui características particulares, necessidades educacionais diferenciadas, diferenças culturais, sociais e econômicas que incidem diretamente no processo educacional. O aluno com surdez, especialmente, possui diferenças significativas em relação aos outros alunos, pois o uso de uma língua gestual em um contexto em que a grande maioria utiliza uma língua oral para se comunicar exige de todos os envolvidos na escola empenho e esforço para garantir que o ensino seja de fato de qualidade. Góes (1996) alerta que “a deficiência não torna a criança um ser que tem possibilidades a menos; ela tem possibilidades diferentes” (p. 35, grifos da autora).
O aluno surdo, por exemplo, que utiliza a Libras como forma de comunicação e expressão pode ser considerado bilíngue. Porém, o que é ser bilíngue?
Na visão popular, ser bilíngue é o mesmo que ser capaz de falar duas línguas perfeitamente. Porém há outras concepções sobre esse conceito. Macnamara (1967 apud HARMERS e BLANC, 2000) expõe que “um indivíduo bilíngue é alguém que possui competência mínima em uma das quatro habilidades linguísticas (falar, ouvir, ler e escrever) em uma língua diferente de sua língua nativa” (p. 06). Já para Titone (1972 apud HARMERS e BLANC, 2000), bilinguismo é “a capacidade individual de falar uma segunda língua obedecendo às estruturas desta língua e não parafraseando a primeira língua” (p.17).
Pensando especificamente na pessoa surda, como podemos aplicar esses conceitos considerando a aquisição de uma segunda língua5 - a Língua Portuguesa, sem a habilidade para nela se expressar oralmente? Existem graus diferentes de bilinguismo que podem variar de acordo com o tempo e a circunstância? O bilinguismo deve ser considerado um termo relativo? E dentro da escola, como trabalhar com esse conceito? Essas indagações, que consideramos pertinentes, têm nos inquietado e são a partir delas que ousamos desenvolver nossas reflexões.
Na perspectiva da surdez, entendemos que o bilinguismo parte do princípio de que o surdo deve dominar, enquanto “língua materna”, a Língua de Sinais, que é uma língua espontânea e como segunda língua a língua oficial de seu país (sendo no nosso caso a Língua Portuguesa), apenas na modalidade escrita. Nesse sentido é premente a necessidade de crianças surdas conviverem com surdos adultos para que haja o ensino da Língua de Sinais de uma forma natural, permitindo ao surdo a possibilidade de assumir a surdez como uma diferença histórica e cultural.
Fernandes (2006) afirma que pessoas que não aprendem uma língua oral, por falta de audição, não estão privadas da possibilidade da aquisição e do desenvolvimento da linguagem, pois fazem isso utilizando outro canal – a visão – e outra forma de comunicação – a Língua de Sinais. Por isso a importância de se constituir escolas bilíngues.
Assim, partindo de um aprofundamento teórico a partir de uma pesquisa bibliográfica com base em autores que abordam os temas “escola inclusiva” e “escola bilíngue”, nos preparamos para refletir sobre um assunto que consideramos pouco discutido pela academia, especialmente no que se refere à “escola bilíngue”.

Escola inclusiva

O reconhecimento de que a diversidade está presente entre todos e tudo que existe é um dos principais fundamentos para se ter uma sociedade e até mesmo uma escola inclusiva. Então podemos dizer que diversidade, cidadania e inclusão estão interligadas. Neste trabalho optamos por aderir ao conceito de escola inclusiva descrito na Declaração de Salamanca, de 1994, que salienta que:

O princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter. Escolas inclusivas devem reconhecer e responder às necessidades diversas de seus alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos através de um currículo apropriado, arranjos organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parceria com as comunidades (p. 11).

Assim, para que as escolas possam ser de fato inclusivas e atendam as necessidades educacionais especiais de todos os alunos, é necessário que o currículo seja redefinido para uma educação que viva a cidadania global, plena e livre de preconceitos e que reconhece e valoriza, realmente, as diferenças entre os alunos.
No entanto, pensando em aspectos práticos, há diferenças entre os alunos nas escolas que não parecem “tranquilas”, diferenças essas denominadas por Amaral (1998) como “diferenças significativas”, isto é, aquelas que desviam muito do padrão de “normalidade” estabelecido. Este parece ser o caso de uma escola que atenda dois grupos distintos: ouvintes e surdos. Cada um desses grupos tem valores diferentes e expressa seus sentimentos a partir de uma forma singular e particular de visão de mundo.
Os alunos ouvintes, na maioria das vezes, se sentem mais acolhidos do que os surdos, especialmente porque todos podem compreendê-lo, entendê-lo e assim, as possibilidades de interação são maiores. Com os alunos surdos não é tão simples assim. A primeira barreira em seu processo inclusivo refere-se à comunicação, pois a Língua de Sinais, para alguns ouvintes, pode ser maçante e difícil de ser entendida, o que compromete a obtenção de uma boa comunicação entre os alunos ouvintes e surdos.
Além disso, como o surdo necessita de um intérprete educacional para anunciar e enunciar os contextos orais, é provável que o mesmo sinta falta da troca existente entre aluno-professor, pois sua experiência de troca de conhecimento é apenas com o intérprete, com o qual já está acostumado.
Não queremos aqui generalizar e afirmar que em todas as situações de inclusão isso acontece, porém acreditamos que não são meras suposições. A responsabilidade do ensino, a amizade, o esclarecimento de dúvidas, ficam, geralmente, sob a responsabilidade do intérprete, como se “o aluno fosse do intérprete” e não da escola. Como agir nessa situação? Apenas a presença física e o contato linguístico sempre mediado por alguém podem designar a inclusão? Partindo do princípio de que para estar incluído é preciso se sentir pertencente àquele espaço, como fica a situação de um aluno que não consegue interagir porque sua língua não é entendida e compartilhada pela maioria?
A partir dessas prerrogativas, entendemos ser importante refletir um pouco sobre o papel do intérprete em uma escola inclusiva. Lacerda (2006) relata em um de seus estudos que:
A presença de um intérprete de LIBRAS em escolas brasileiras é, sem dúvida, algo ainda pouco comum. Contudo, a desinformação dos professores e o desconhecimento sobre a surdez e sobre modos adequados de atendimentos ao aluno surdo são frequentes (p.176).


Assim, a questão central é ter clara a função do intérprete, que é uma figura pouco conhecida e que está inserida na sala de aula. É preciso definir, ainda, os direitos e deveres desse profissional, limites da interpretação, até onde se limita o seu papel e onde se inicia o papel do professor regente, a sua relação com os alunos surdos e alunos ouvintes, dentre outros aspectos, pois esclarecendo essas questões entendemos que se pode obter um aproveitamento melhor desse profissional no ambiente escolar.
Quando o intérprete começa a atuar com alunos surdos na Educação Infantil – momento em que as crianças estão tendo o primeiro contato com os conteúdos escolares e muitos surdos o primeiro contato com a Língua de Sinais – o seu papel pode variar, ou seja, o intérprete participa de todas as atividades da classe com a interpretação, mas também opina, dá exemplos, contribuindo com o trabalho do professor regente. A presença desse profissional na sala tem como objetivo tornar os conteúdos acadêmicos acessíveis aos alunos surdos, destacando que “a questão central não é traduzir conteúdos, mas torná-los compreensíveis, com sentido para o aluno” (LACERDA, 2006, p.174).
Como na Educação Infantil, no Ensino Fundamental a presença do intérprete é uma forma de garantir que o processo de aprendizagem mediado pela Libras, respeitando a condição linguística do aluno surdo, dando a ele a oportunidade de elaborar ideias, construir conceitos e participar de forma ativa na comunidade – grupo social – em que está inserido. Porém, definir o papel do intérprete e o papel do professor regente nos anos iniciais do Ensino Fundamental, não tem sido uma tarefa fácil, especialmente quando o aluno surdo ingressa na escola sem dominar a Língua de Sinais. Considerando que a maioria dos alunos provém de famílias ouvintes e a comunicação familiar baseia-se em “gestos domésticos” criados de acordo com a necessidade desse individuo dentro de âmbito familiar, a atuação do intérprete fica prejudicada, pois se insistir em apenas interpretar o que o professor regente está explicando, sem auxiliar o aluno, não haverá compreensão do conteúdo, nem tampouco um resultado satisfatório na construção do conhecimento.
Outra situação complexa é o entendimento do próprio aluno surdo sobre a atuação desse profissional, pois o mesmo estabelece uma relação de confiança com quem se comunica com ele, dificultando seu julgamento sobre a função do professor regente. Nesse sentido, reiteramos que se faz necessário repensar qual, de fato, é o papel do intérprete no contexto escolar, especialmente nos primeiros anos do Ensino Fundamental.
É preciso destacar ainda que, apesar de reconhecermos a importância desse profissional para o desenvolvimento do aluno surdo, a presença do intérprete no ambiente escolar não garante a eficácia da inclusão. É necessário haver um preparo de toda a equipe escolar para receber esse aluno.
Ainda em seus estudos, Lacerda (2006) relata que muitas vezes a escola, forçada pela lei, recebe o aluno surdo, preocupa-se em conhecer e discutir suas características no momento de sua entrada na escola, após isso integra o aluno na rotina escolar e considera, muitas vezes, que o mesmo se desenvolverá normalmente, sem apoios e serviços especializados específicos.
A Constituição Federal de 1988 fundamenta como um dos princípios para o ensino “a igualdade de condições de acesso e permanência na escola” (art. 206º, inciso I) e mais, assevera que “o dever do Estado com a Educação será efetivado mediante garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um” (art. 208º, inciso V).
Ou seja, há uma garantia legal que orienta para o progresso educacional de todos os alunos. Com isso queremos dizer que não se pode considerar uma situação de inclusão apenas a matrícula no ensino regular. É preciso garantir a permanência e o sucesso acadêmico. No caso dos alunos surdos, diversos aspectos envolvendo o currículo, a metodologia, a função dos profissionais, bem como o espaço da Libras no contexto escolar devem ser considerados para a efetivação de uma educação de qualidade, visando que esses alunos progridam até os mais elevados níveis de ensino.
Expostas as perspectivas e desafios da escola inclusiva, aprofundaremos nossas discussões na proposta bilíngue de ensino para surdos.

Escola bilíngue: Língua Portuguesa/Libras – Libras/Língua Portuguesa

Crianças ouvintes, desde pequenas, possuem a oportunidade de conviver com a língua utilizada por sua família. Os adultos colaboram para que a linguagem da criança flua. Por exemplo, o adulto diz: “fala papai”. Esse procedimento oportuniza a criança atitudes discursivas ao longo de seu crescimento, o que favorece seu desenvolvimento e a apropriação da língua e os aspectos socioculturais importantes.
Já a criança surda, geralmente, não possui essa oportunidade, pois na maioria das vezes nascem de pais ouvintes. Assim, essa criança permanece no âmbito familiar aprendendo coisas do mundo e da linguagem de forma parcial e fragmentada, o que a impossibilita o acesso a uma forma de comunicação efetiva e eficaz.
Reconhecendo que os ambientes em que as crianças surdas vivem são variados, o processo de socialização e aprendizagem também é diversificado. Uma criança surda cujos pais são surdos adquire a Língua de Sinais de forma espontânea, pois esta é usada em seu ambiente familiar. Diferente da criança surda cujos pais são ouvintes, e portanto, devem procurar outras formas de comunicação com seus filhos, sempre em busca de métodos que os possam ajudar a ter, ao mínimo, uma comunicação clara, o que nem sempre acontece através da Libras, podendo-se criar “sinais caseiros” ou, ainda, estabelecer a língua oral como canal de comunicação. A questão central, nesse caso, é que, geralmente, há uma demora para estabelecer essa comunicação, o que acarreta em atrasos no desenvolvimento linguístico e, consequentemente, emocional e cognitivo da criança.
Coll, Marchesi e Palacios (2004) destacam a importância da comunicação pré-verbal e sua influência na aquisição da linguagem. Nos primeiros meses de vida de uma criança há intercâmbios comunicativos entre os adultos e o bebê através de expressões primitivas. Assim vai se construindo uma relação social básica para o bebê.
Com a criança surda, o que ocorre? Lembrando que as estruturas básicas de conhecimento da linguagem também operam nos surdos não podemos nos esquecer que:

As diferenças se manifestam com maior clareza nas possibilidades de ter acesso ao input linguístico que lhes é apresentado e nos processos comunicativos que se estabelecem entre os adultos e a criança surda. [...] Os choros, os balbucios e os arrulhos dos primeiros quatro meses são iguais em uns e outros, mas essas expressões vocais começam a diminuir nas crianças surdas ou com perda auditivas graves e profundas a partir dos 4 aos 6 meses (COLL, MARCHESI e PALACIOS 2004, p.17, grifos dos autores).

Ainda, Santana (2007) destaca que não há de fato uma idade crítica para se aprender uma língua, seja ela a primeira ou a segunda língua, mas que devemos considerar “os aspectos interativos do sujeito e seu contexto social” (p.76).
Há autores (como HEREDIA, 1989; BLOOMFIELD, 1935 apud HARMERS e BLANC, 2000) que afirmam que uma pessoa pode falar duas línguas e ter competência em apenas uma. Mas o que eles ressaltam é que se considerarmos bilíngue somente o indivíduo que possui domínio igual e natural de duas línguas, estaremos excluindo, com certeza, uma grande maioria.
A proposta de escola bilíngue em nosso país é relativamente recente. Ocorre em casos isolados e muitas vezes na forma de experiência, impossibilitando que a maioria dos surdos possam desfrutar dessa alternativa de ensino de uma maneira mais consolidada. O que ainda pode prejudicar essa proposta é a falta de surdos adultos usuários de Língua de Sinais e habilitados como instrutores, o preconceito da sociedade, as dificuldades de se aceitarem surdos como indivíduos pertencentes a um grupo com uma língua diferenciada, dentre outros aspectos.
Porém, já existem documentos oficiais indicando a construção de escolas bilíngues, como o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que pontua:

São denominadas escolas ou classes de educação bilíngue aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo (capítulo VI, parágrafo 1º).

Na efetivação dessa proposta parece que a aquisição da segunda língua, a Língua Portuguesa, na modalidade escrita, é um processo complexo e demorado, que exige tanto do professor regente, do intérprete educacional e do professor de Língua Portuguesa quanto do aluno. Sendo assim é preciso ter em mente que:

O surdo lê uma palavra escrita em português e atribui-lhe sentido pela língua de sinais. Há momentos em que ele não consegue compreender todas as palavras escritas, mas, como o leitor ouvinte, o surdo pode ler algumas palavras, deixar de ler outras e, com base nas que reconhece, atribuir um sentindo ao texto (SANTANA, 2007, p. 195).

Como já foi dito, a Libras é a primeira língua do surdo brasileiro e a Língua Portuguesa é a segunda língua, que deve ser ensinada apenas na modalidade escrita. Assim, o ensino de Língua Portuguesa para surdos exige uma metodologia própria de segunda língua, visando as diferenças entre a Língua de Sinais e a Língua Portuguesa, já que a primeira acontece na modalidade espaço-visual e a segunda na modalidade oral-auditiva.
Nesse processo é preciso considerar, como já ressaltamos, que muitos surdos chegam à escola sem o domínio da Libras e, portanto, sem um repertório linguístico para aprender uma segunda língua. Portanto, a pergunta que se faz é: como ensinar uma segunda língua sem que o aluno tenha conhecimento suficiente da primeira? Assim, reiteramos que o ensino de Língua Portuguesa deve ser pensado a partir de estratégias diferenciadas, tendo a Libras como suporte. Dessa forma, não se pode ensinar Língua Portuguesa para surdos da mesma forma que se ensina para ouvintes.
Não podemos deixar de relatar sobre as interferências que a língua natural de um indivíduo faz na aquisição de uma segunda língua. Há vantagens e desvantagens durante esse processo. Sobre essa questão, Brito (2001) afirma que:

[...] embora seja, incontestavelmente, reconhecido que sem uma língua materna não há ensino/aprendizado de uma segunda língua, um dos problemas, na aquisição de segunda língua, são as interferências que a língua materna faz ocorrer na estruturação e uso da segunda língua, isto é, é o ‘chega pra lá’ que a língua materna dá à segunda língua (p. 08).

Todas essas singularidades levam a nossa reflexão para a formação do professor de Língua Portuguesa como segunda língua, pois são poucos os cursos de Letras que têm contemplado, em sua grade curricular, uma disciplina específica para fornecer ao futuro profissional instrumentos e subsídios para ensinar Língua Portuguesa como segunda língua. Além dos conhecimentos teóricos, salientamos ainda que este profissional precisa estar preparado para tomar decisões responsáveis no âmbito prático (que terão repercussão a médio e longo prazo), como as opções metodológicas e avaliativas que ele escolherá.
Por fim, precisamos refletir sobre a função desse profissional no caso do aluno surdo (ou sua família) optar pela oralização. Nessa situação, o professor de Língua Portuguesa deve apresentar ao aluno seleções de textos orais e escritos que apresentem características fonológicas e gramaticais e estar sempre em contato com profissionais da área da Fonoaudiologia, para que o ensino aconteça de uma forma prazerosa. Ainda assim, a metodologia de ensino não é a mesma utilizada com os alunos ouvintes, pois o fato do surdo ser oralizado não significa que ele tem um fácil entendimento da Língua Portuguesa, pois a aquisição dessa língua não se deu de forma espontânea.
Todos os pontos que ressaltamos até aqui nos levam a crer que a condição do surdo como uma pessoa que se constitui bilíngue precisa ser levada em conta se queremos oportunizar a esse aluno uma aprendizagem efetiva. Assim, faz-se necessário pensar e operacionalizar todos os métodos possíveis e disponíveis, pois há ainda muitos professores que cobram dos alunos surdos uma fala e escrita no modelo ouvinte.
As propostas educacionais para alunos surdos, tendo como objetivo um bem maior para esses alunos, acabam por evidenciar inúmeras limitações, fazendo com que os mesmos alcancem somente o Ensino Fundamental, por não serem considerados capazes de ler e escrever satisfatoriamente, ou mesmo possuírem o domínio adequado dos conteúdos propostos.
Alguns estudos sobre as Línguas de Sinais, como o de Souza, Silva e Souza (2011), demonstram que a Libras é a “única modalidade linguística plenamente acessível ao surdo” (p. 02), porque através de seu intermédio esse individuo pode ser considerado competente linguisticamente, o que favorece seu desenvolvimento e ainda contribui para sua constituição subjetiva.
Assim, a implantação de escolas bilíngues é defendida pelo fato de que nesses contextos os surdos podem interagir com pessoas usuárias de Língua de Sinais o mais cedo possível. Portanto, a proposta educacional bilíngue contempla o direito linguístico do individuo surdo e o acesso aos conhecimentos sociais e culturais disponíveis.
Como já ressaltamos, em uma escola bilíngue a segunda língua deve ser ensinada em sua forma escrita, tendo como base o conhecimento adquirido por meio da Língua de Sinais. Para tanto, espera-se que os profissionais dessa escola – professores e intérpretes – tenham domínio das línguas envolvidas e estejam atentos “à diferença dos sujeitos surdos e à sua dificuldade de acesso à língua/cultura majoritária” (LACERDA e LODI 2009, p. 14).
Podemos, então, dizer que é através de uma proposta bilíngue de ensino que os surdos terão a possibilidade de obter uma educação que respeite suas particularidades e especificidades linguísticas, permitindo ainda um agir social de forma autônoma com uma formação digna e que respeite a sua diferença.

Considerações Finais

Esta pesquisa demonstrou que as duas propostas de ensino - a escola inclusiva e a escola bilíngue - têm limites e possibilidades.
Partindo da premissa de que para uma escola ser considerada bilíngue a língua de instrução deve ser a Libras, isso pode significar que pelo menos nos primeiros anos do Ensino Fundamental a criança surda não tenha uma convivência diária e cotidiana com as crianças ouvintes. Porém, pensar que a socialização é o que mais importa em uma proposta educacional não é o caminho para a construção de um ensino de qualidade, pois a escolarização deve ser a prioridade, em nosso ponto de vista, em qualquer proposta de ensino.
Assim, a escola inclusiva, apesar de possibilitar o contato entre surdos e ouvintes, pode não significar a melhor opção, já que na maioria das vezes o surdo mantém uma comunicação direta apenas com o intérprete educacional e, como apontamos neste estudo, isso não garante uma efetiva inclusão. Além disso, como também destacamos, não está claro o papel do intérprete no contexto educacional, pois esse profissional, muitas vezes, assume responsabilidades para além do que entendermos ser sua função, tomando para si as “tarefas” que seriam do professor regente, como, por exemplo, a explicação de um conteúdo que o surdo não tenha entendido, a disciplina do aluno tanto em sala de aula quanto fora dela, a avaliação, etc.
Entretanto, para além das diferenças entre as duas propostas, constatamos que alguns pontos devem ser considerados se queremos garantir um ensino de qualidade para os alunos com surdez e acreditamos que o melhor “lugar” para que isso aconteça seja a escola bilíngue.
O primeiro deles é a necessidade das crianças surdas conviverem com surdos adultos, para que a aquisição da Libras aconteça de forma espontânea. Salientamos também a importância do intérprete e tradutor de Libras/Língua Portuguesa na vida escolar dos alunos com surdez durante toda a Educação Básica. E ainda, destacamos a urgência de formação dos profissionais de Letras para o ensino de Língua Portuguesa como segunda língua, considerando o respeito pela Libras e sua estrutura gramatical para, a partir dela, possibilitar ao aluno surdo o entendimento da Língua Portuguesa de fato como sua segunda língua, na modalidade escrita.
Por fim, ressaltamos a necessidade de mais estudos e pesquisas sobre a implantação de escolas bilíngues, como também a promoção de cursos de Libras para os professores regentes e toda comunidade escolar e, ainda, capacitações para os professores e/ou instrutores de Libras. E mais, faz-se necessário o interesse do estado e/ou município em implantar esse modelo de escola, para que realmente os surdos possam ter as mesmas possibilidades de ensino que os alunos ouvintes e uma educação que prime pelo o direito à igualdade, respeitando as suas singularidades linguísticas.

Referências Bibliográficas

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1Licenciada em Matemática pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Dourados/MS. Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Coordenadoria de Educação Aberta e a Distância, Pólo de Rio Brilhante/MS. Pós-Graduanda em Metodologia de Ensino da Matemática pela AVM Faculdade Integrada, Brasília/DF. E-mail: joelinelgt@gmail.com.
2Sob orientação da Profª. Me. Raquel Elizabeth Saes Quiles, professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), campus de Três Lagoas.
3 Entendemos, conforme o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, a pessoa com surdez como aquela que “por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – Libras” (capítulo I, art. 2º).
4 Libras significa Língua Brasileira de Sinais. É uma língua gestual/espacial usada pela maioria dos surdos brasileiros, reconhecida no país pela Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002 e pelo Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. É uma língua completa, com todas as estruturas linguísticas de qualquer outra língua, reconhecida pela Linguística.
5 Considerando a Libras como primeira língua da pessoa com surdez, a Língua Portuguesa é
entendida como segunda língua (L2), cuja aquisição, no Brasil, acontece apenas na modalidade
escrita

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