EDUCAÇÃO
DE SURDOS: ESCOLA INCLUSIVA OU ESCOLA BILÍNGUE?
Joeline
Lopes Gonsalves Torres1
Resumo
O
presente artigo traz uma reflexão sobre duas propostas distintas de
ensino no contexto da educação de surdos: a escola inclusiva, que a
partir do paradigma da educação para todos defende o respeito e a
valorização da diversidade e a escola bilíngue, que a partir da
Libras (Língua Brasileira de Sinais), entendida como língua de
instrução, defende o respeito e a valorização pela diferença
linguística. Para a realização deste trabalho, a opção
metodológica foi por uma pesquisa bibliográfica e, mediante
aprofundamento teórico, discorremos sobre o papel do intérprete e
tradutor de Libras, do professor regente, do instrutor de Libras e do
professor de Língua Portuguesa como segunda língua, vislumbrando as
contribuições de cada um ao processo educacional do aluno surdo.
Nossos apontamentos objetivaram mostrar as diferenças entre as duas
propostas de ensino, bem como seus limites e potencialidades,
oportunizando uma discussão sobre a qualidade da educação para as
pessoas com surdez.
Palavras - chave: Escola
inclusiva. Escola Bilíngue. Educação de Surdos.
Introdução
Este estudo2
pretende refletir sobre
a educação de surdos3
a partir de duas
propostas distintas de ensino: a da escola inclusiva e a da escola
bilíngue, na tentativa de demonstrar as diferenças, limites e
possibilidades de cada uma visando contribuir com as discussões no
campo da Educação Especial.
A perspectiva inclusiva tem sido a
proposta mais intensamente defendida pelo Ministério da Educação
(MEC) para todos os alunos, inclusive aqueles que apresentam alguma
necessidade educacional especial.
Porém, no caso da surdez algumas
particularidades devem ser consideradas, já que esse aluno se
utiliza de uma outra língua para se comunicar, a Língua Brasileira
de Sinais (Libras)4,
e nem sempre essa língua tem tido um espaço privilegiado no ensino
regular. Assim, tem se debatido no país, principalmente a partir de
2002, quando a Língua Brasileira de Sinais foi oficializada, sobre a
escola bilíngue, por ser uma proposta que privilegia a Libras como
língua de instrução.
Consideramos essa discussão
pertinente no momento atual, pois na busca por uma escola de
qualidade para todos os alunos não se pode ignorar as
particularidades de cada um e, no caso do aluno surdo, a
especificidade linguística. Assim, essas duas perspectivas de ensino
serão exploradas e debatidas no decorrer deste artigo.
É importante ressaltar que partimos
do princípio de que cada aluno possui características particulares,
necessidades educacionais diferenciadas, diferenças culturais,
sociais e econômicas que incidem diretamente no processo
educacional. O aluno com surdez, especialmente, possui diferenças
significativas em relação aos outros alunos, pois o uso de uma
língua gestual em um contexto em que a grande maioria utiliza uma
língua oral para se comunicar exige de todos os envolvidos na escola
empenho e esforço para garantir que o ensino seja de fato de
qualidade. Góes (1996) alerta que “a deficiência não torna a
criança um ser que tem possibilidades a
menos; ela tem
possibilidades diferentes”
(p. 35, grifos da autora).
O aluno surdo, por exemplo, que
utiliza a Libras como forma de comunicação e expressão pode ser
considerado bilíngue. Porém, o que é ser bilíngue?
Na visão popular, ser bilíngue é o
mesmo que ser capaz de falar duas línguas perfeitamente. Porém há
outras concepções sobre esse conceito. Macnamara (1967 apud
HARMERS e BLANC, 2000)
expõe que “um indivíduo bilíngue é alguém que possui
competência mínima em uma das quatro habilidades linguísticas
(falar, ouvir, ler e escrever) em uma língua diferente de sua língua
nativa” (p. 06). Já para Titone (1972 apud
HARMERS e BLANC, 2000),
bilinguismo é “a capacidade individual de falar uma segunda língua
obedecendo às estruturas desta língua e não parafraseando a
primeira língua” (p.17).
Pensando especificamente na pessoa
surda, como podemos aplicar esses conceitos considerando a aquisição
de uma segunda língua5
- a Língua Portuguesa,
sem a habilidade para nela se expressar oralmente? Existem graus
diferentes de bilinguismo que podem variar de acordo com o tempo e a
circunstância? O bilinguismo deve ser considerado um termo relativo?
E dentro da escola, como trabalhar com esse conceito? Essas
indagações, que consideramos pertinentes, têm nos inquietado e são
a partir delas que ousamos desenvolver nossas reflexões.
Na perspectiva da surdez, entendemos
que o bilinguismo parte do princípio de que o surdo deve dominar,
enquanto “língua materna”, a Língua de Sinais, que é uma
língua espontânea e como segunda língua a língua oficial de seu
país (sendo no nosso caso a Língua Portuguesa), apenas na
modalidade escrita. Nesse sentido é premente a necessidade de
crianças surdas conviverem com surdos adultos para que haja o ensino
da Língua de Sinais de uma forma natural, permitindo ao surdo a
possibilidade de assumir a surdez como uma diferença histórica e
cultural.
Fernandes (2006) afirma que pessoas
que não aprendem uma língua oral, por falta de audição, não
estão privadas da possibilidade da aquisição e do desenvolvimento
da linguagem, pois fazem isso utilizando outro canal – a visão –
e outra forma de comunicação – a Língua de Sinais. Por isso a
importância de se constituir escolas bilíngues.
Assim, partindo de um aprofundamento
teórico a partir de uma pesquisa bibliográfica com base em autores
que abordam os temas “escola inclusiva” e “escola bilíngue”,
nos preparamos para refletir sobre um assunto que consideramos pouco
discutido pela academia, especialmente no que se refere à “escola
bilíngue”.
Escola inclusiva
O reconhecimento de que a diversidade
está presente entre todos e tudo que existe é um dos principais
fundamentos para se ter uma sociedade e até mesmo uma escola
inclusiva. Então podemos dizer que diversidade, cidadania e inclusão
estão interligadas. Neste trabalho optamos por aderir ao conceito de
escola inclusiva descrito na Declaração de Salamanca, de 1994, que
salienta que:
O princípio fundamental
da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem aprender
juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer
dificuldades ou diferenças que elas possam ter. Escolas inclusivas
devem reconhecer e responder às necessidades diversas de seus
alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e
assegurando uma educação de qualidade a todos através de um
currículo apropriado, arranjos organizacionais, estratégias de
ensino, uso de recursos e parceria com as comunidades (p. 11).
Assim, para que as escolas possam ser
de fato inclusivas e atendam as necessidades educacionais especiais
de todos os alunos, é necessário que o currículo seja redefinido
para uma educação que viva a cidadania global, plena e livre de
preconceitos e que reconhece e valoriza, realmente, as diferenças
entre os alunos.
No entanto, pensando em aspectos
práticos, há diferenças entre os alunos nas escolas que não
parecem “tranquilas”, diferenças essas denominadas por Amaral
(1998) como “diferenças significativas”, isto é, aquelas que
desviam muito do padrão de “normalidade” estabelecido. Este
parece ser o caso de uma escola que atenda dois grupos distintos:
ouvintes e surdos. Cada um desses grupos tem valores diferentes e
expressa seus sentimentos a partir de uma forma singular e particular
de visão de mundo.
Os alunos ouvintes, na maioria das
vezes, se sentem mais acolhidos do que os surdos, especialmente
porque todos podem compreendê-lo, entendê-lo e assim, as
possibilidades de interação são maiores. Com os alunos surdos não
é tão simples assim. A primeira barreira em seu processo inclusivo
refere-se à comunicação, pois a Língua de Sinais, para alguns
ouvintes, pode ser maçante e difícil de ser entendida, o que
compromete a obtenção de uma boa comunicação entre os alunos
ouvintes e surdos.
Além disso, como o surdo necessita de
um intérprete educacional para anunciar e enunciar os contextos
orais, é provável que o mesmo sinta falta da troca existente entre
aluno-professor, pois sua experiência de troca de conhecimento é
apenas com o intérprete, com o qual já está acostumado.
Não queremos aqui generalizar e
afirmar que em todas as situações de inclusão isso acontece, porém
acreditamos que não são meras suposições. A responsabilidade do
ensino, a amizade, o esclarecimento de dúvidas, ficam, geralmente,
sob a responsabilidade do intérprete, como se “o aluno fosse do
intérprete” e não da escola. Como agir nessa situação? Apenas a
presença física e o contato linguístico sempre mediado por alguém
podem designar a inclusão? Partindo do princípio de que para estar
incluído é preciso se sentir pertencente àquele espaço, como fica
a situação de um aluno que não consegue interagir porque sua
língua não é entendida e compartilhada pela maioria?
A partir dessas prerrogativas,
entendemos ser importante refletir um pouco sobre o papel do
intérprete em uma escola inclusiva. Lacerda (2006) relata em um de
seus estudos que:
A presença de um
intérprete de LIBRAS em escolas brasileiras é, sem dúvida, algo
ainda pouco comum. Contudo, a desinformação dos professores e o
desconhecimento sobre a surdez e sobre modos adequados de
atendimentos ao aluno surdo são frequentes (p.176).
Assim, a questão central é ter clara
a função do intérprete, que é uma figura pouco conhecida e que
está inserida na sala de aula. É preciso definir, ainda, os
direitos e deveres desse profissional, limites da interpretação,
até onde se limita o seu papel e onde se inicia o papel do professor
regente, a sua relação com os alunos surdos e alunos ouvintes,
dentre outros aspectos, pois esclarecendo essas questões entendemos
que se pode obter um aproveitamento melhor desse profissional no
ambiente escolar.
Quando o intérprete começa a atuar
com alunos surdos na Educação Infantil – momento em que as
crianças estão tendo o primeiro contato com os conteúdos escolares
e muitos surdos o primeiro contato com a Língua de Sinais – o seu
papel pode variar, ou seja, o intérprete participa de todas as
atividades da classe com a interpretação, mas também opina, dá
exemplos, contribuindo com o trabalho do professor regente. A
presença desse profissional na sala tem como objetivo tornar os
conteúdos acadêmicos acessíveis aos alunos surdos, destacando que
“a questão central não é traduzir conteúdos, mas torná-los
compreensíveis, com sentido para o aluno” (LACERDA, 2006, p.174).
Como na Educação Infantil, no Ensino
Fundamental a presença do intérprete é uma forma de garantir que o
processo de aprendizagem mediado pela Libras, respeitando a condição
linguística do aluno surdo, dando a ele a oportunidade de elaborar
ideias, construir conceitos e participar de forma ativa na comunidade
– grupo social – em que está inserido. Porém, definir o papel
do intérprete e o papel do professor regente nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, não tem sido uma tarefa fácil, especialmente
quando o aluno surdo ingressa na escola sem dominar a Língua de
Sinais. Considerando que a maioria dos alunos provém de famílias
ouvintes e a comunicação familiar baseia-se em “gestos
domésticos” criados de acordo com a necessidade desse individuo
dentro de âmbito familiar, a atuação do intérprete fica
prejudicada, pois se insistir em apenas interpretar o que o professor
regente está explicando, sem auxiliar o aluno, não haverá
compreensão do conteúdo, nem tampouco um resultado satisfatório na
construção do conhecimento.
Outra situação complexa é o
entendimento do próprio aluno surdo sobre a atuação desse
profissional, pois o mesmo estabelece uma relação de confiança com
quem se comunica com ele, dificultando seu julgamento sobre a função
do professor regente. Nesse sentido, reiteramos que se faz necessário
repensar qual, de fato, é o papel do intérprete no contexto
escolar, especialmente nos primeiros anos do Ensino Fundamental.
É preciso destacar ainda que, apesar
de reconhecermos a importância desse profissional para o
desenvolvimento do aluno surdo, a presença do intérprete no
ambiente escolar não garante a eficácia da inclusão. É necessário
haver um preparo de toda a equipe escolar para receber esse aluno.
Ainda em seus estudos, Lacerda (2006)
relata que muitas vezes a escola, forçada pela lei, recebe o aluno
surdo, preocupa-se em conhecer e discutir suas características no
momento de sua entrada na escola, após isso integra o aluno na
rotina escolar e considera, muitas vezes, que o mesmo se desenvolverá
normalmente, sem apoios e serviços especializados específicos.
A Constituição Federal de 1988
fundamenta como um dos princípios para o ensino “a igualdade de
condições de acesso e permanência na escola” (art. 206º, inciso
I) e mais, assevera que “o dever do Estado com a Educação será
efetivado mediante garantia de acesso aos níveis mais elevados do
ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade
de cada um” (art. 208º, inciso V).
Ou seja, há uma garantia legal que
orienta para o progresso educacional de todos os alunos. Com isso
queremos dizer que não se pode considerar uma situação de inclusão
apenas a matrícula no ensino regular. É preciso garantir a
permanência e o sucesso acadêmico. No caso dos alunos surdos,
diversos aspectos envolvendo o currículo, a metodologia, a função
dos profissionais, bem como o espaço da Libras no contexto escolar
devem ser considerados para a efetivação de uma educação de
qualidade, visando que esses alunos progridam até os mais elevados
níveis de ensino.
Expostas as perspectivas e desafios da
escola inclusiva, aprofundaremos nossas discussões na proposta
bilíngue de ensino para surdos.
Escola bilíngue: Língua
Portuguesa/Libras – Libras/Língua Portuguesa
Crianças ouvintes, desde pequenas,
possuem a oportunidade de conviver com a língua utilizada por sua
família. Os adultos colaboram para que a linguagem da criança flua.
Por exemplo, o adulto diz: “fala papai”. Esse procedimento
oportuniza a criança atitudes discursivas ao longo de seu
crescimento, o que favorece seu desenvolvimento e a apropriação da
língua e os aspectos socioculturais importantes.
Já a criança surda, geralmente, não
possui essa oportunidade, pois na maioria das vezes nascem de pais
ouvintes. Assim, essa criança permanece no âmbito familiar
aprendendo coisas do mundo e da linguagem de forma parcial e
fragmentada, o que a impossibilita o acesso a uma forma de
comunicação efetiva e eficaz.
Reconhecendo que os ambientes em que
as crianças surdas vivem são variados, o processo de socialização
e aprendizagem também é diversificado. Uma criança surda cujos
pais são surdos adquire a Língua de Sinais de forma espontânea,
pois esta é usada em seu ambiente familiar. Diferente da criança
surda cujos pais são ouvintes, e portanto, devem procurar outras
formas de comunicação com seus filhos, sempre em busca de métodos
que os possam ajudar a ter, ao mínimo, uma comunicação clara, o
que nem sempre acontece através da Libras, podendo-se criar “sinais
caseiros” ou, ainda, estabelecer a língua oral como canal de
comunicação. A questão central, nesse caso, é que, geralmente, há
uma demora para estabelecer essa comunicação, o que acarreta em
atrasos no desenvolvimento linguístico e, consequentemente,
emocional e cognitivo da criança.
Coll, Marchesi e Palacios (2004)
destacam a importância da comunicação pré-verbal e sua influência
na aquisição da linguagem. Nos primeiros meses de vida de uma
criança há intercâmbios comunicativos entre os adultos e o bebê
através de expressões primitivas. Assim vai se construindo uma
relação social básica para o bebê.
Com a criança surda, o que ocorre?
Lembrando que as estruturas básicas de conhecimento da linguagem
também operam nos surdos não podemos nos esquecer que:
As diferenças se
manifestam com maior clareza nas possibilidades de ter acesso ao
input
linguístico
que lhes é apresentado e nos processos comunicativos que se
estabelecem entre os adultos e a criança surda. [...] Os choros, os
balbucios e os arrulhos dos primeiros quatro meses são iguais em uns
e outros, mas essas expressões vocais começam a diminuir nas
crianças surdas ou com perda auditivas graves e profundas a partir
dos 4 aos 6 meses (COLL, MARCHESI e PALACIOS 2004, p.17, grifos dos
autores).
Ainda, Santana (2007) destaca que não
há de fato uma idade crítica para se aprender uma língua, seja ela
a primeira ou a segunda língua, mas que devemos considerar “os
aspectos interativos do sujeito e seu contexto social” (p.76).
Há autores (como HEREDIA, 1989;
BLOOMFIELD, 1935 apud
HARMERS e BLANC, 2000) que
afirmam que uma pessoa pode falar duas línguas e ter competência em
apenas uma. Mas o que eles ressaltam é que se considerarmos bilíngue
somente o indivíduo que possui domínio igual e natural de duas
línguas, estaremos excluindo, com certeza, uma grande maioria.
A proposta de escola bilíngue em
nosso país é relativamente recente. Ocorre em casos isolados e
muitas vezes na forma de experiência, impossibilitando que a maioria
dos surdos possam desfrutar dessa alternativa de ensino de uma
maneira mais consolidada. O que ainda pode prejudicar essa proposta é
a falta de surdos adultos usuários de Língua de Sinais e
habilitados como instrutores, o preconceito da sociedade, as
dificuldades de se aceitarem surdos como indivíduos pertencentes a
um grupo com uma língua diferenciada, dentre outros aspectos.
Porém, já existem documentos
oficiais indicando a construção de escolas bilíngues, como o
Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que pontua:
São denominadas escolas
ou classes de educação bilíngue aquelas em que a Libras e a
modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução
utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo (capítulo
VI, parágrafo 1º).
Na efetivação dessa proposta parece
que a aquisição da segunda língua, a Língua Portuguesa, na
modalidade escrita, é um processo complexo e demorado, que exige
tanto do professor regente, do intérprete educacional e do professor
de Língua Portuguesa quanto do aluno. Sendo assim é preciso ter em
mente que:
O surdo lê uma palavra
escrita em português e atribui-lhe sentido pela língua de sinais.
Há momentos em que ele não consegue compreender todas as palavras
escritas, mas, como o leitor ouvinte, o surdo pode ler algumas
palavras, deixar de ler outras e, com base nas que reconhece,
atribuir um sentindo ao texto (SANTANA, 2007, p. 195).
Como já foi dito, a Libras é a
primeira língua do surdo brasileiro e a Língua Portuguesa é a
segunda língua, que deve ser ensinada apenas na modalidade escrita.
Assim, o ensino de Língua Portuguesa para surdos exige uma
metodologia própria de segunda língua, visando as diferenças entre
a Língua de Sinais e a Língua Portuguesa, já que a primeira
acontece na modalidade espaço-visual e a segunda na modalidade
oral-auditiva.
Nesse processo é preciso considerar,
como já ressaltamos, que muitos surdos chegam à escola sem o
domínio da Libras e, portanto, sem um repertório linguístico para
aprender uma segunda língua. Portanto, a pergunta que se faz é:
como ensinar uma segunda língua sem que o aluno tenha conhecimento
suficiente da primeira? Assim, reiteramos que o ensino de Língua
Portuguesa deve ser pensado a partir de estratégias diferenciadas,
tendo a Libras como suporte. Dessa forma, não se pode ensinar Língua
Portuguesa para surdos da mesma forma que se ensina para ouvintes.
Não podemos deixar de relatar sobre
as interferências que a língua natural de um indivíduo faz na
aquisição de uma segunda língua. Há vantagens e desvantagens
durante esse processo. Sobre essa questão, Brito (2001) afirma que:
[...] embora seja,
incontestavelmente, reconhecido que sem uma língua materna não há
ensino/aprendizado de uma segunda língua, um dos problemas, na
aquisição de segunda língua, são as interferências que a língua
materna faz ocorrer na estruturação e uso da segunda língua, isto
é, é o ‘chega pra lá’ que a língua materna dá à segunda
língua (p. 08).
Todas essas singularidades levam a
nossa reflexão para a formação do professor de Língua Portuguesa
como segunda língua, pois são poucos os cursos de Letras que têm
contemplado, em sua grade curricular, uma disciplina específica para
fornecer ao futuro profissional instrumentos e subsídios para
ensinar Língua Portuguesa como segunda língua. Além dos
conhecimentos teóricos, salientamos ainda que este profissional
precisa estar preparado para tomar decisões responsáveis no âmbito
prático (que terão repercussão a médio e longo prazo), como as
opções metodológicas e avaliativas que ele escolherá.
Por fim, precisamos refletir sobre a
função desse profissional no caso do aluno surdo (ou sua família)
optar pela oralização. Nessa situação, o professor de Língua
Portuguesa deve apresentar ao aluno seleções de textos orais e
escritos que apresentem características fonológicas e gramaticais e
estar sempre em contato com profissionais da área da Fonoaudiologia,
para que o ensino aconteça de uma forma prazerosa. Ainda assim, a
metodologia de ensino não é a mesma utilizada com os alunos
ouvintes, pois o fato do surdo ser oralizado não significa que ele
tem um fácil entendimento da Língua Portuguesa, pois a aquisição
dessa língua não se deu de forma espontânea.
Todos os pontos que ressaltamos até
aqui nos levam a crer que a condição do surdo como uma pessoa que
se constitui bilíngue precisa ser levada em conta se queremos
oportunizar a esse aluno uma aprendizagem efetiva. Assim, faz-se
necessário pensar e operacionalizar todos os métodos possíveis e
disponíveis, pois há ainda muitos professores que cobram dos alunos
surdos uma fala e escrita no modelo ouvinte.
As propostas educacionais para alunos
surdos, tendo como objetivo um bem maior para esses alunos, acabam
por evidenciar inúmeras limitações, fazendo com que os mesmos
alcancem somente o Ensino Fundamental, por não serem considerados
capazes de ler e escrever satisfatoriamente, ou mesmo possuírem o
domínio adequado dos conteúdos propostos.
Alguns estudos sobre as Línguas de
Sinais, como o de Souza, Silva e Souza (2011), demonstram que a
Libras é a “única modalidade linguística plenamente acessível
ao surdo” (p. 02), porque através de seu intermédio esse
individuo pode ser considerado competente linguisticamente, o que
favorece seu desenvolvimento e ainda contribui para sua constituição
subjetiva.
Assim, a implantação de escolas
bilíngues é defendida pelo fato de que nesses contextos os surdos
podem interagir com pessoas usuárias de Língua de Sinais o mais
cedo possível. Portanto, a proposta educacional bilíngue contempla
o direito linguístico do individuo surdo e o acesso aos
conhecimentos sociais e culturais disponíveis.
Como já ressaltamos, em uma escola
bilíngue a segunda língua deve ser ensinada em sua forma escrita,
tendo como base o conhecimento adquirido por meio da Língua de
Sinais. Para tanto, espera-se que os profissionais dessa escola –
professores e intérpretes – tenham domínio das línguas
envolvidas e estejam atentos “à diferença dos sujeitos surdos e à
sua dificuldade de acesso à língua/cultura majoritária” (LACERDA
e LODI 2009, p. 14).
Podemos, então, dizer que é através
de uma proposta bilíngue de ensino que os surdos terão a
possibilidade de obter uma educação que respeite suas
particularidades e especificidades linguísticas, permitindo ainda um
agir social de forma autônoma com uma formação digna e que
respeite a sua diferença.
Considerações Finais
Esta pesquisa demonstrou que as duas
propostas de ensino - a escola inclusiva e a escola bilíngue - têm
limites e possibilidades.
Partindo da premissa de que para uma
escola ser considerada bilíngue a língua de instrução deve ser a
Libras, isso pode significar que pelo menos nos primeiros anos do
Ensino Fundamental a criança surda não tenha uma convivência
diária e cotidiana com as crianças ouvintes. Porém, pensar que a
socialização é o que mais importa em uma proposta educacional não
é o caminho para a construção de um ensino de qualidade, pois a
escolarização deve ser a prioridade, em nosso ponto de vista, em
qualquer proposta de ensino.
Assim, a escola inclusiva, apesar de
possibilitar o contato entre surdos e ouvintes, pode não significar
a melhor opção, já que na maioria das vezes o surdo mantém uma
comunicação direta apenas com o intérprete educacional e, como
apontamos neste estudo, isso não garante uma efetiva inclusão. Além
disso, como também destacamos, não está claro o papel do
intérprete no contexto educacional, pois esse profissional, muitas
vezes, assume responsabilidades para além do que entendermos ser sua
função, tomando para si as “tarefas” que seriam do professor
regente, como, por exemplo, a explicação de um conteúdo que o
surdo não tenha entendido, a disciplina do aluno tanto em sala de
aula quanto fora dela, a avaliação, etc.
Entretanto, para além das diferenças
entre as duas propostas, constatamos que alguns pontos devem ser
considerados se queremos garantir um ensino de qualidade para os
alunos com surdez e acreditamos que o melhor “lugar” para que
isso aconteça seja a escola bilíngue.
O primeiro deles é a necessidade das
crianças surdas conviverem com surdos adultos, para que a aquisição
da Libras aconteça de forma espontânea. Salientamos também a
importância do intérprete e tradutor de Libras/Língua Portuguesa
na vida escolar dos alunos com surdez durante toda a Educação
Básica. E ainda, destacamos a urgência de formação dos
profissionais de Letras para o ensino de Língua Portuguesa como
segunda língua, considerando o respeito pela Libras e sua estrutura
gramatical para, a partir dela, possibilitar ao aluno surdo o
entendimento da Língua Portuguesa de fato como sua segunda língua,
na modalidade escrita.
Por fim, ressaltamos a necessidade de
mais estudos e pesquisas sobre a implantação de escolas bilíngues,
como também a promoção de cursos de Libras para os professores
regentes e toda comunidade escolar e, ainda, capacitações para os
professores e/ou instrutores de Libras. E mais, faz-se necessário o
interesse do estado e/ou município em implantar esse modelo de
escola, para que realmente os surdos possam ter as mesmas
possibilidades de ensino que os alunos ouvintes e uma educação que
prime pelo o direito à igualdade, respeitando as suas singularidades
linguísticas.
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1Licenciada
em Matemática pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD),
Dourados/MS. Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul (UFMS), Coordenadoria de Educação Aberta e a
Distância, Pólo de Rio Brilhante/MS. Pós-Graduanda em Metodologia
de Ensino da Matemática pela AVM Faculdade Integrada, Brasília/DF.
E-mail: joelinelgt@gmail.com.
2Sob
orientação da Profª. Me. Raquel Elizabeth Saes Quiles, professora
da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), campus de Três
Lagoas.
3
Entendemos, conforme o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005,
a pessoa com surdez como aquela que “por ter perda auditiva,
compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais,
manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua
Brasileira de Sinais – Libras” (capítulo I, art. 2º).
4
Libras significa Língua Brasileira de Sinais. É uma língua
gestual/espacial usada pela maioria dos surdos brasileiros,
reconhecida no país pela Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002 e
pelo Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. É uma língua
completa, com todas as estruturas linguísticas de qualquer outra
língua, reconhecida pela Linguística.
5
Considerando a Libras
como primeira língua da pessoa com surdez, a Língua Portuguesa é
entendida
como segunda língua (L2), cuja aquisição, no Brasil, acontece
apenas na modalidade
escrita
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